quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Habeas Pinho

O caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 dispõe que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso).

Sabe-se que nem sempre a liberdade é garantida... Quantas pessoas encontram-se presas ilegalmente???

A CF/88, ainda no seu art.5º, reza que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV, CF/88) e que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVII).

Habeas Corpus, etimologicamente, significa em latim "Que tenhas o teu corpo".

Ele é um remédio constitucional garantidor do direito à liberdade, que por sua vez é um direito fundamental (art. 5º, caput). É uma ação diferente em relação às outras, qualquer pessoa pode impetrar em favor de outra pessoa, não há necessidade da presença de um advogado, até uma criança é qualificada para interpor...

Mas quem já ouviu falar do Habeas Pinho? Pois, bem, o Habeas Pinho ficou muito conhecido pela sua proeza: conseguiu libertar um violão! Isso mesmo, um violão!!!

Se um Habeas Corpus é capaz de devolver o corpo, então o Habeas Pinho devolveria a madeira, ou melhor, o Pinho!

O caso narrado, logo a seguir, aconteceu na Paraíba e ficou muito conhecido. Basta ir ao Google e fazer uma pesquisa e se tem o seguinte resultado: aproximadamente 43.000 para habeas pinho. Vamos para o que nos interessa: o texto sobre o Habeas Pinho.

(O texto a seguir foi retirado de http://www.neofito.com.br/adrisum/riva02.htm)

Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955, um grupo de boêmios fazia Serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.

Esse petitório ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste. Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito deputado estadual, prefeito de Campina Grande (cassado pela Revolução), senador da República, governador do Estado e hoje deputado federal".

Vejamos a famosa petição:

HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca


O instrumento do crime que se arrola

neste processo de contravenção

não é faca, revólver nem pistola,

é simplesmente, doutor, um violão.


Um violão, doutor, que na verdade

Não matou nem feriu um cidadão.

Feriu, sim, a sensibilidade

de quem o ouviu vibrar na solidão.


O violão é sempre uma ternura,

instrumento de amor e de saudade.

O crime a ele nunca se mistura.

Inexiste entre eles afinidade.


O violão é próprio dos cantores,

dos menestréis de alma enternecida

que cantam as mágoas que povoam a vida

e sufocam suas próprias dores.


O violão é música e é canção,

é sentimento vida e alegria,

é pureza é néctar que extasia,

é adorno espiritual do coração.


Seu viver como o nosso é transitório,

mas seu destino, não, se perpetua.

Ele nasceu para cantar na rua

e não para ser arquivo de cartório.


Mande soltá-lo pelo amor da noite

que se sente vazia em suas horas,

p'ra que volte a sentir o terno açoite

de suas cordas leves e sonoras.


Libere o violão, Dr. Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito.

É crime, porventura, o infeliz,

cantar as mágoas que lhe enchem o peito?


Será crime, e afinal, será pecado,

será delito de tão vis horrores,

perambular na rua um desgraçado

derramando na rua as suas dores?


É o apelo que aqui lhe dirigimos,

na certeza do seu acolhimento.

Juntada desta aos autos nós pedimos

e pedimos também DEFERIMENTO.


Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha LIma: o verso popular.


Recebo a petição escrita em verso

E, despachando-a sem autuação,

Verbero o ato vil, rude e perverso,

Que prende, no Cartório, um violão.


Emudecer a prima e o bordão,

Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,

É desumana e vil destruição

De tudo que há de belo no universo.


Que seja Sol, ainda que a desoras,

E volte á rua, em vida transviada,

Num esbanjar de lágrimas sonoras.


Se grato for, acaso ao que lhe fiz,

Noite de luz, plena madrugada,

Venha tocar á porta do Juiz.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

CULPABILIDADE - PARTE I

Nesses últimos tempos, estive mergulhada no assunto culpabilidade, e na medida em que lia sobre o assunto, percebia que eu sou realmente apaixonada pelo direito penal e que direito penal não é tão fácil assim.

Culpabilidade é um assunto que ainda traz muito debate entre os penalistas, por ser um instituto tão vivo, por ter uma relação pessoal entre o homem e seu ato, e por ter passado por diversas transformações e evoluções.

Bem, vamos ao que interessa... O que é culpabilidade?

Tipicidade (fato típico), antijuricidade (fato antijurídico) e culpabilidade são elementos que formam o crime. Fato típico é o comportamento humano que provoca um resultado previsto como infração penal, fato antijurídico é aquele fato que contraria o ordenamento jurídico e culpabilidade é a reprovabilidade daquele que praticou um fato típico e antijurídico.

Tipicidade e antijuricidade estão ligadas ao fato humano, sendo juízos que são feitos sobre o fato, por sua vez, a culpabilidade está ligada ao agente do fato, sendo, portanto, juízo sobre o autor do fato.

Culpabilidade é, pois, um juízo de censurabilidade e reprovabilidade feito por alguém que praticou um fato típico e antijurídico, quando podia se comportar de forma contrária. Ressalta-se pelo fato do agente poder se comportar de forma contrária, mas ele assim não o fez, preferiu agir contra o direito.

Atenta-se pelo fato de que nem sempre se tinha essa concepção de culpabilidade, no século XIX, surgiu a Teoria Psicológica da Culpabilidade. Nessa época era observada a responsabilidade objetiva, ou seja, se houvesse ligação entre o fato e o autor desse fato, ele era considerado “culpado”. Não era levado em consideração se o autor do fato podia se comportar de outra maneira. Outras teorias surgiram, como a teoria psicológico-normativa da culpabilidade e a teoria normativa pura da culpabilidade (falaremos sobre as teorias da culpabilidade em outra postagem).

Além de elemento do crime, tem-se também a culpabilidade como fundamentação e limitador da pena (artigo 59 do Código Penal Brasileiro), nesse ponto reside a grande importância da culpabilidade para o direito penal.

Na próxima postagem, analisaremos a culpabilidade como fundamentação e limitador da pena...